Há muito tempo que queríamos já ter escrito um artigo sobre o tema da segurança rodoviária infantil. E queríamos fazê-lo por ser, sobretudo, uma área de grande lacuna em termos de informação, em Portugal, e onde a boa capacitação dos Pais pode fazer toda a diferença. Não é que a boa informação não exista, ela existe! Não está é tão directamente acessível aos pais, e de forma facilmente perceptível. E por esse motivo, na hora de escolher um sistema de retenção automóvel e montá-lo adequadamente, esta tarefa pode transforma-se num autêntico pesadelo!

Por termos tentado fazê-lo o mais completo possível, este é um artigo longo. Mas que achamos que vale bastante a pena lerem, por toda a importância de que se reveste.

Para facilitar a leitura, iremos separá-lo por temas. Numa primeira parte, abordaremos a importância da segurança rodoviária infantil, a legislação, e o estado da arte no que diz respeito às melhores práticas de segurança.

Numa segunda parte, iremos abordar todos os dispositivos de retenção (as “cadeiras auto”), e tentaremos explicar tudo o que importa, no momento de escolher um sistema de retenção adequado para os vossos filhos.

 

IMPORTÂNCIA DESTE TEMA

Por forma a terem noção do quão importante é este tema, basta olhar para algumas estatísticas de Portugal.

Apresentamos, no quadro em seguida, as estatísticas relacionadas com o número de acidentes rodoviários com vítimas em Portugal, no ano de 1995, e no ano de 2015.

Os dados foram retirados directamente do site da ANSR (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária)

Interessa perceberem, para melhor compreensão da informação que iremos transmitir de seguida, que o índice de gravidade = nº de mortos por cada 100 acidentes com vítimas.

 

1995

2015

<14A total <14A total
Vitimas mortais 108 2085 7 473
Feridos graves 882 11229 114 2250
Feridos leves 4590 54598 2460 38826
Indice Gravidade 1.9 3.07 0.27 1.13

 

Avaliando esta tabela, percebemos que houve uma diminuição muito acentuada no nº total de mortes na estrada em Portugal nos últimos 20 anos. Mas essa diminuição, foi bastante mais acentuada nas crianças, ora vejamos: analisando os índices de gravidade (IG) para o grupo das crianças e para o total, percebe-se que houve uma diminuição de 2.7x no IG total nos últimos 20 anos (de 3.07 para 1.13), mas houve uma diminuição de 7x no IG quando avaliamos apenas crianças (de 1.9 para 0.27)!!! Isto significa que, em 1995, por cada 100 acidentes com vítimas envolvendo crianças, ocorria a morte de 1,9. 20 anos depois, por cada 100 acidentes com vítimas envolvendo crianças, apenas ocorria a morte de 0,27 (7x menos!!).

Assim, percebe-se que apesar da melhoria das condições de segurança rodoviária em geral se dever também à legislação e melhoria da segurança dos automóveis, houve uma melhoria significativa especificamente nas crianças, e isso deve-se, em grande parte, à utilização de sistemas de retenção adequados, que proporcionam muito maior segurança para as crianças.

Mais informações estatísticas importantes: segundo um estudo recente, datado de 2015, realizado pela ACP (Automóvel Club de Portugal), chegou-se à conclusão de que a utilização adequada de uma cadeira com encosto de cabeça e protectores laterais, reduz seis vezes o risco de lesões na cabeça num impacto lateral, quando comparado com um acento elevatório (e sabe-se que os acidentes laterais, apesar de menos frequentes, são bastante mais perigosos).

Seria assim de esperar que todos os pais optassem por estes dispositivos de retenção, utilizando cadeiras completas em detrimento dos assentos elevatórios (vulgarmente conhecidos por “banquinhos”). No entanto, um segundo estudo também realizado pela ACP no mesmo ano, onde foram inquiridos 2300 pais em todo o país, mostrou que apenas 61% consideravam mais seguro transportar uma criança até aos 12anos ou 1.35m numa cadeira completa com costas, e 50% dos pais transportavam os filhos em assentos elevatórias (os tais “banquinhos”).

Isto demonstra que ainda temos um longo caminho pela frente, numa tentativa de fazer chegar toda esta informação importante a quem interessa verdadeiramente, aos Pais! E a nossa intenção ao escrever este artigo consiste precisamente em darmos o nosso modesto contributo nesse sentido.

 

LEGISLAÇÃO

A legislação em Portugal, para o transporte de crianças em automóvel, está prevista no artigo 55º do código da estrada. E o que este artigo diz é exactamente isto:

“Artigo 55.º — Transporte de crianças em automóvel

1 – As crianças com menos de 12 anos de idade transportadas em automóveis equipados com cintos de segurança, desde que tenham altura inferior a 135 cm, devem ser seguras por sistema de retenção homologado e adaptado ao seu tamanho e peso (adiante especificamos os vários grupos e pesos).

2 – O transporte das crianças referidas no número anterior deve ser efetuado no banco da retaguarda, salvo nas seguintes situações:

  • a) Se a criança tiver idade inferior a 3 anos e o transporte se fizer utilizando sistema de retenção virado para a retaguarda, não podendo, neste caso, estar ativada a almofada de ar frontal no lugar do passageiro;
  • b) Se a criança tiver idade igual ou superior a 3 anos e o automóvel não dispuser de cintos de segurança no banco da retaguarda, ou não dispuser deste banco.

3 – Nos automóveis que não estejam equipados com cintos de segurança é proibido o transporte de crianças de idade inferior a 3 anos.

4 – As crianças com deficiência que apresentem condições graves de origem neuromotora, metabólica, degenerativa, congénita ou outra podem ser transportadas sem observância do disposto na parte final do n.º 1, desde que os assentos, cadeiras ou outros sistemas de retenção tenham em conta as suas necessidades específicas e sejam prescritos por médico da especialidade.

5 – Nos automóveis destinados ao transporte público de passageiros podem ser transportadas crianças sem observância do disposto nos números anteriores, desde que não o sejam nos bancos da frente.

6 – Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600 por cada criança transportada indevidamente.”

 

Se quiserem uma informação mais completa, onde estão descritas várias nuances como por exemplo como proceder quando existe a necessidade de transportar 3 crianças num automóvel onde não é possível, pelo espaço físico, a colocação de 3 sistemas de retenção nos bancos traseiros (o que será exactamente o nosso caso daqui a algum tempo, quando o Francisco já tiver tamanho que o impossibilite de andar no ovinho), podem consultar uma circular da ANSR muito completa, e a que podem aceder aqui:

http://www.ansr.pt/SegurancaRodoviaria/InformacaoTecnica/tempdocs/TRANSPORTE%20DE%20CRIAN%C3%87AS%20EM%20AUTOM%C3%93VEL-site.pdf

 

BOAS PRÁTICAS DE SEGURANÇA RODOVIÁRIA INFANTIL

Actualmente, são vários os estudos sobre segurança rodoviária infantil, e as recomendações sobre as melhores práticas a adoptar são bastante consensuais.

Para as explicar da melhor forma, tentaremos faze-lo sob a forma de resposta às dúvidas mais frequentes dos Pais:

  1. Como devo transportar o meu filho, de frente, ou de costas?

É perfeitamente consensual que qualquer criança, no mínimo, até aos 18 meses, deve viajar no automóvel contra o sentido da marcha (ou seja, de costas). Está, inclusivamente demonstrado, que este benefício existe até aos 3-4 anos. Este benefício acontece porque, até esta idade, o peso da cabeça proporcionalmente ao do corpo ainda é bastante grande, para além de que não existe ainda maturidade e força suficiente nos músculos do pescoço para suportar da melhor forma o peso da cabeça numa situação de travagem brusca ou acidente.

  1. Quando devo tirar o meu filho do “ovinho” e passar para a cadeira seguinte?

É importante que os pais tenham a noção de que o ovinho será muito provavelmente, a cadeira mais segura que os filhos alguma vez terão no automóvel, pelo que deverão utilizá-la o maior tempo possível.

Em bom rigor, apenas se deve retirar a criança do ovinho e passar para a cadeira seguinte, quando a parte de cima da cabeça fica acima do bordo superior do encosto da cadeira, ou quando os ombros excedem em mais de 2cm a altura das ranhuras de passagem das correias quando estas já estão colocadas na sua posição mais elevada (e estas regras são válidas para todas as cadeiras auto, e a necessidade de passar para a seguinte).

Atenção que por vezes as cadeiras têm redutores que os pais se esquecem de retirar e que lhes permitem ganhar mais espaço (e consequentemente, mais tempo naquela cadeira).

É também importante reforçar de que, caso a criança já tenha estes critérios que o obriguem a sair do ovinho, a cadeira seguinte, se tiver menos de 18 meses (ou, idealmente, 3-4 anos), deve continuar a permitir o transporte contra o sentido da marcha.

  1. Até quando devo transportar o meu filho numa cadeirinha automóvel?

Apesar da legislação portuguesa prever o transporte das crianças em sistemas de retenção até terem 1,35m ou até fazerem os 12 anos, se for possível e confortável para a criança, pode e deve mantê-la mais tempo. O objectivo da cadeira completa é fazer passar o cinto no ombro e peito da criança, em vez de no pescoço, para alem da protecção de toda a região do pescoço e cabeça em caso de acidente lateral, pelo que, sendo possível manter esta segurança acrescida durante mais tempo, os pais devem fazê-lo.

  1. A partir de que idade se pode deixar a cadeira completa e usar apenas um acento elevatório?

Como descrito anteriormente, uma cadeira fornece uma segurança para a região da cabeça, em caso de acidente lateral, 6x superior ao acento elevatório, pelo que a utilização deste tipo de dispositivos está desaconselhada de forma rotineira.

O seu uso, apenas se justifica em situações específicas ou pontuais e de preferência no lugar central. É o que acontece quando a criança apresenta uma largura de ombros ou abdominal que não permite que se sente de modo confortável na cadeira com costas e abas laterais: o assento elevatório é a alternativa para garantir que, pelo menos, o cinto do veículo passa ao nível do pescoço. Já se for necessário transportar 4 crianças num automóvel, com a obrigatoriedade de irem 3 nos bancos traseiros em cadeirinha, mas estas não couberem no banco traseiro, é possível substituir a cadeira do mais crescido por um assento elevatório, colocado no lugar do meio.

  1. Devo transportar o meu filho no banco de frente ou de trás?

Está perfeitamente demonstrado que o local mais seguro para transportar as crianças é nos bancos traseiros, motivo também, pelo qual a lei o obriga, salvo as excepções anteriormente descritas e previstas na lei, nomeadamente

  • Se a criança tiver idade inferior a 3 anos e o transporte se fizer utilizando sistema de retenção virado para a retaguarda, não podendo, neste caso, estar ativada a almofada de ar frontal no lugar do passageiro;
  • Se a criança tiver idade igual ou superior a 3 anos e o automóvel não dispuser de cintos de segurança no banco da retaguarda, ou não dispuser deste banco.

E a segurança nos bancos traseiros é maior porque, para além da probabilidade de impacto directo ser menor nos bancos traseiros, a probabilidade de distração do condutor é também menor.

Frequentemente, vemos no entanto que os pais gostam de transportar os bebés no banco da frente de forma a permitir ter contacto visual directo com o seu filho. Para ultrapassar esta barreira, é importante que os pais saibam que existem uns espelhos que podem colocar nos bancos traseiros e que permitem manter contato visual com o seu filho bastando olhar para o espelho retrovisor.

  1. E transportando o meu filho nos lugares traseiros, qual o local mais seguro?

Está demonstrado que o local do centro, é o local mais seguro. Isto acontece porque é onde a criança está mais afastada das portas e como tal, mais protegida dos acidentes laterais, que são mais raros, mas também mais perigosos. Aqui, o grande problema reside no facto de nem sempre ser possível de utilizar o acento do centro para colocação da cadeira, dado que não costumam existir nos automóveis neste lugar os pontos de ancoragem e fixação isofix.

Na impossibilidade de utilizar o lugar do meio, e a ter de escolher entre o lugar da direita ou o da esquerda, as opiniões divergem. Algumas estatísticas demonstram que não há diferença significativa em termos de gravidade de acidentes entre os dois lugares, pelo que, pensando em termos logísticos, e sendo mais fácil o contacto visual com a criança se estiver colocada do lado direito, e sendo também mais fácil e seguro a colocação e remoção da criança no automóvel pelo lado do passeio, poder-se-á pensar na escolha do lado da direita (do passageiro) como preferível face ao da esquerda (condutor). No entanto  algumas estatísticas têm demonstrado uma tendência do condutor durante um acidente, em “oferecer” o lado oposto ao acidente, como reflexo instintivo de fuga, podendo este facto levar a pensar no lado esquerdo como preferível para a criança. Assim, não conseguimos responder de forma precisa a esta pergunta.

Amanhã, continuaremos com este artigo, mas entretanto, vejam dois filmes das nossas Marias no automóvel. Vão tão seguras, felizes e confortáveis, que até cantam!!!