Adoro
viajar, sempre adorei! Descobrir novos destinos, novos lugares, novas pessoas e
novas culturas! 

Sempre pensei que viajar era o que mais nos enriquecia enquanto
pessoas! Continuo a pensar assim!

Nunca
gostei de partir para uma viagem com tudo planeado! Um dos meus lemas foi
sempre o de não seguir as setas e os caminhos predefinidos, mas sim procurar
novos caminhos, criar novos trilhos, procurar novas perspectivas. No entanto,
apesar de adorar partir à descoberta, sem percursos planeados, sempre houve um
trabalho, por mínimo que fosse, de preparação! Sempre fiz os trabalhos de casa,
e pesquisei, nos locais para onde ia, aqueles sítios a não perder e aquelas
actividades obrigatórias! Sempre tive uma noção, por mínima que fosse, daquilo
ao que ia! Sempre comprei os bilhetes dessas viagens, e apesar de nunca saber
bem aquilo que me estaria reservado durante a viagem, sempre soube bem o
destino que nos bilhetes estava inscrito!

Mas
há pouco tempo entrei numa viagem para a qual não comprei bilhete! E para esta
viagem não fiz os trabalhos de casa, não a preparei minimamente. Não tinha
nenhum percurso definido, mas pior, não conhecia sequer nenhum dos destinos que
iria visitar! E assim, do nada, recebi um bilhete para esta viagem! Ou melhor,
4 bilhetes, ambos apenas de ida, e sem destino ou duração definida!

Não
gosto de viajar sozinho, nunca gostei! As poucas viagens que fiz sozinho foram
curtas, e apesar de terem sido importantes para mim nos momentos em que as fiz,
sempre achei mais importantes as viagens que fiz acompanhado! Valeu-me o facto
de, também nesta viagem, ir acompanhado! Nunca a conseguiria realizar sozinho!
Os bilhetes que recebi eram para mais de um passageiro! Seríamos 4 nesta
viagem!

No dia
11 de Março, com 25 semanas e 2 dias de gestação, a Maria do Mar e a Matilde
quiseram conhecer os papás. Desde cedo estas miúdas demonstraram ter uma
personalidade bem forte, e desde cedo demonstraram que sempre que elas querem
algo, dificilmente alguém as conseguiria impedir de o conseguir! 

Assim, depois
de alguma insistência, conseguiram mesmo, e às 20:25 e às 20:28, com 740 e 680
gramas, a Maria do Mar e a Matilde nasciam! Como princesas que são, quiseram
desde muito cedo habituar-se a ser o centro das atenções, e dessa forma tiveram
de ter um parto em grande, com todo o aparato que a situação o exigia! Um
nascimento prematuro, muito prematuro, que nos inscrevia aos 4 no clube dos
papás e filhotes prematuros, e nos dava direito aos bilhetes para esta viagem!
Uma viagem intensa, vivida “um dia de cada vez”.

Engraçado,
desde então, “um dia de cada vez” tem sido a expressão que mais temos ouvido! E
sinceramente, já estou farto do “dia de cada vez”!! Eu compreendo a intenção de
toda a equipa médica quando nos dizem que esta situação é para ser vivida um
dia de cada vez. No fundo querem que acreditemos na melhoria das nossas
filhotas, saboreando todos os momentos vividos com elas e todas as vitórias
conseguidas a cada momento, a cada dia, mas sem realizar planos a longo prazo.
O problema é que nós queremos fazer planos a longo prazo!!! Queremos sonhar a
4! Queremos preparar o quarto das nossas meninas! E queremos comprar roupas e
brinquedos para elas!! Sinto que se não o fizermos, não estamos a demonstrar às
nossas pequenas grandes guerreiras tudo aquilo que sentimos e em que
acreditamos! Porque desde o nascimento delas que acredito que elas vão vencer
todos os desafios! Tenho uma certeza tão grande disso! Não sei de onde vem esta
certeza, mas sei que a tenho! Instinto de pai quem sabe… Mas essa certeza
tranquiliza-me! =))

Desde
o início desta viagem que temos sido assombrados por uma enorme dualidade de
sentimentos:

A
certeza, o instinto de pais, que nos dizem a todo o momento que elas vão ficar
bem, mas ao mesmo tempo o medo! O medo, por já nada fazer sentido senão a 4! E
a ansiedade constante e o coração nas mãos! Aliás, os corações nas mãos! Os 4!
E os apertos no peito! Os nós no estômago!

A
vontade de ir ter com elas ao hospital, a vontade de estar sempre com as minhas
filhas. Mas ao mesmo tempo o medo, a inquietação e a ansiedade sempre que para
lá vou, antes de lá chegar e ver como elas estão.

A
vontade de chorar, explodir, fugir, desaparecer! Mas ao mesmo tempo a vontade
de me pôr bem, sentir-me bem para que elas o sintam e dessa forma as poder
ajudar.

A
vontade de dormir durante 3 meses, de forma egoísta, para não ter de suportar a
ansiedade e o medo. Mas ao mesmo tempo o desejo de estar constantemente
presente, por muito que custe, para as ajudar!

A
necessidade de criar rotinas, distrair e querer fazer algo que me deixe, por
momentos, relaxar. Mas ao mesmo tempo a culpa de o fazer, enquanto elas estão
nos cuidados intensivos a lutar pela vida!

O
sentimento de culpa, o pensar no que poderia ter feito de diferente durante a
gravidez, e a culpa por não ter percebido as coisas mais cedo, algo que tivesse
impedido que elas nascessem tão cedo! Mas ao mesmo tempo a alegria e a
felicidade por elas já aqui estarem connosco, e podermos olhar para elas, senti-las,
ouvi-las e poder cuidar delas ainda que ajudados por uma quantidade enorme de
tios e tias! Os melhores tios e tias do mundo!

A
vontade de preparar o quarto para as nossas meninas, e de o deixar bem bonito
para receber as suas princesas! Mas ao mesmo tempo a sensação estranha que
sinto quando lá entro, vejo os berços decorados com os nomes, vejo os vestidos,
vejo os brinquedos, mas elas não estão ainda lá.

O
querer saber, mas ao mesmo tempo não querer.

O
querer falar com os médicos e os enfermeiros, mas ao mesmo tempo não querer!

O
querer ler tudo o que pode correr de bem e de mal, mas ao mesmo tempo não
querer!

O
querer tocar, a vontade enorme de as abraçar e beijar! Mas ao mesmo tempo o
medo de lhes passar alguma infecção! Mas o toque… tão bom!

Caramba,
que viagem! E tantas características, tantos desafios nesta viagem que a têm
tornado tão única, tão especial!

O
dia para a frente, e os dois dias para trás! Os dois dias para trás que, apesar
de nos prepararem constantemente para eles, quando eles chegam nós nunca
estamos preparados!

O
cansaço e o desgaste acumulado, as forças que parece que vão faltando mas que
depois aparecem quando verdadeiramente precisamos delas!

Os
alarmes que tocam e tocam, e nos deixam o coração tão pequeno! E os alarmes que
tocam e tocam, mesmo quando já estamos em casa, longe da unidade de cuidados
intensivos, e não nos deixam adormecer!!

Os
tubos, os fios, os ventiladores, os monitores, as análises, as ecografias, as
radiografias! O ficar tão obcecado com os parâmetros, que dou por mim a olhar
mais para o monitor com os valores da saturação de oxigénio e da frequência
cardíaca do que propriamente para as minhas filhas!

O
alívio que sinto quando vejo que o alarme que toca não é o das minhas filhas,
apesar disso significar que é o de outro bebé, também já nosso conhecido, e me
sentir mal quando me apercebo que penso assim.

As
maratonas constantes dum lado para o outro dentro da enfermaria! Querer ajudar
uma e outra ao mesmo tempo. E o facto de passarem uma e outra pelo mesmo, com
as mesmas complicações, ainda que em tempos diferentes… O medo… Mas a certeza
de que, se numa resultou, na outra resultará também!

O
olhar expressivo, meigo, calmo, tranquilizador e relaxante delas!

O
vê-las a dormir! E a calma e serenidade que produz em mim!

O
escrever para elas! Cantar para elas! Contar-lhes histórias!

Perceber
a reacção delas sempre que se apercebem que os pais lá estão!

Todos
os pormenores delas que nos deliciam – o cabelo, as orelhinhas, os olhinhos, o
nariz, as mãos, os pés! Todos os sons que elas fazem! O choro tímido! As birras
e o feitio teimoso das duas, mas que demonstram já uma personalidade forte,
corajosa, combatente, vencedora!

O
desafio gigante que é para elas e para nós!

Os
guerreiros, os super heróis que somos!

O
acreditar que os grandes desafios estão destinados apenas para os grandes
guerreiros! Neste caso, para as minhas pequenas grandes guerreiras!

O acreditar,
a fé! E as conversas com Deus!

Os
sinais a que passei a estar atento!

A
ironia de querer ensinar tudo o que sabemos a duas filhas, e afinal serem elas
a ensinarem-nos tanto logo desde o momento em que nascem!

A
lição que nos deram de, apesar de terem nascido apressadas, não ter pressa para
querer viver a vida! Ser calmo! Ser paciente! Ser aquela pessoa que se senta no
banco de jardim a ver a relva crescer…

E
ser melhor pessoa a cada momento que passa!!! Pensar no que podemos fazer pelo
próximo! A conseguir ter verdadeiramente empatia, e ouvir verdadeiramente as
pessoas!

A
humildades e simplicidade que elas nos ensinaram a ter! A vontade de ajudar
outros papás e mamãs que vivem diariamente a mesma luta… E o orgulho imenso que
tenho na minha mulher por o fazer tão bem! Aliás, o orgulho imenso que tenho na
minha mulher, simplesmente por ser a pessoa linda, bondosa e fantástica que é!
E o orgulho que tenho nela por, em bondade, dar 15 a 0 ao resto do mundo!

O
AMOR! Entre mim e a minha mulher! Entre nós e as nossas filhas! Entre elas as
duas! Que se ajudam constantemente! Que estão sempre lá uma para a outra!

O
Milagre da vida, da luta pela vida, da sobrevivência, da união, do amor, da FÉ!

Débora,
Maria e Matilde, AMOVOS! Vocês são a minha razão de viver! Vocês são todas as
minhas razões! Já nada me faz sentido se não for vivido a 4! Obrigado por todos
os momentos! E obrigado pelos bilhetes para esta viagem fantástica!

De
um pai e marido apaixonado!




André 





6 Comments
  • Unknown

    Meu Deus….. Quão belas e apaixonadas são as suas palavras, André!
    Quanta sorte têm essas princesas em tê-lo como papá… e que sorte a da Rainha-mãe…
    Eu sempre soube que atrás desses lindos e serenos olhos azuis se escondia o coração de um verdadeiro herói!!!

  • Nina Mota

    Um testemunho , simplesmente maravilhoso…
    Revejo-me, em algumas das suas inquietações, para nós, o alrme do monitor é o que ainda hoje, nos assombra durante a noite, depois acorda-mos e já passou…, (pelo menos por enquanto).
    É bom saber que não fomos os únicos que tb queriam fugir mas ficar ao mesmo tempo!
    Obrigado André pelo sua carta as suas Maria e muito boa viagem aos 4 🙂

  • Bete

    Lindas Palavras André.Não consegui conter as lágrimas.Nunca consegui traduzir em palavras o que senti naquele 23 de dezembro de 2007 ,naqueles 89 dias dias de UTI .Eu sei que já passou escuto isso de muitas pessoas mas a lição deixada pela pela chegada prematura da minha Vitória é inesquecível . Apenas pessoas que compartilharam dos mesmos sentimentos podem nos compreender.Obrigada.

  • Té Lima Pires

    "tenho uma lágrima no canto do olho" que lindo testemunho… parabéns mais uma vez!

  • Lucialina

    Tudo tão verdade!!! Uma viagem tão única e ao mesmo tempo tão comum a tantos outros pais e seus pequenos(as) guerreiros(as)!!! É um prazer conhecer-vos aos 4!!!

  • alcina

    dr Andre tinha k me por a chorar. bjs para essa lindas princesas que são tb uma grandes guerreiras